O Abismo Branco
Estamos em 1896, Nietzsche olha o nada. Sua mente é incapaz
de integrar um pensamento. Anos depois, sua irmã irá abandoná-lo para sempre.
Quando Leibniz morreu, suas correspondências foram enviadas para Kant, 200 anos
antes. Seus obstáculos em vida (de Leibni(t)z) eram de outra ordem, mais
parecidos com os de Kepler, ou de Kafka. Eram envoltos pela existência. Nenhum
nem outro imaginava como o mundo terminaria, e nem por isso regressaram ao
útero. No conflito interno, onde o subjetivismo combate o poder, somos
impelidos a voltar, isso era o que eu pensava na época. As pulsações do subsolo
invertem suas direções, são como vetores multifacetados evolutivamente
divergentes em relação à seta temporal. São entes imaginários. Sem precedente
real. Sem lastro no mundo. Sem porra nenhuma. Isso quem disse não foi ele, foi
Lorenz, a partir de uma perspectiva etimológica, em frente ao pathos. Durante o
século XIX inteiro ocorreram inúmeras anomalias na superfície do sol,
exatamente como hoje e como a 1 milhão de anos. Entretanto, nenhum registro
gráfico desses distúrbios foi efetuado nas paredes de Lascaux. Nem em
Naspolini. E muito menos na Diamantina. Isso é óbvio. Essas pessoas estavam
preocupadas com a mímese da sopa primordial, estavam atucanadas com a primeira
representação narrativa do mundo, mesmo que não fosse. Quando Benjamin olhou
para o vasto colosso da Xerox Corp erguido no meio do deserto num centro de pesquisas em Palo
Alto, ele desconfiou que suas premissas modernistas estivessem corretas. Ele
era, afinal, um hominídeo pensador como qualquer outro. Era adepto do uísque e
das divergências da Grande História e da metanarrativa de Lyotard. Isso eu li.
Agora, desse entrecruzamento interdisciplinar com tendências artístico-artesanais,
realizado em Santa Fé, Novo México, nasceu Bispo, o marinheiro esquizofrênico,
e toda uma quadrilha de performers conceituais autorreferenciados e
biografematizados. Nossos catedráticos - que não eram muito diferentes dos
imaculados renascentistas, nem dos idolatrados neoclassicistas e nem dos
pós-estruturalistas (estes sim, artistas que explodiram berços) - sabiam o que
estava acontecendo. Essa é a teia. Ou melhor, uma diminuta parcela da teia dos
homens do abismo branco. Do pelotão alfa-ômega que nos define. Acontece que
existem estudos culturais, e estudos críticos, e estudos transgender, e tudo o
mais envolvendo nano-histórias de alguma coisa impossível de apreender
continuamente - pois é impossível, e porque pulsa no tempo. Mas isso não é
narrar. É um não-registro. Essa é a ficção que constrói nossos sub-objetos do
devir. Isso era o que Nietzsche diria, se pudesse. Mas não pode, pois sua
circuitaria neuronal está em 1666, no ano dourado. No ano newtoniano. E
dourado. Na aurora de um mundo mecânico com espírito alquímico e pagão.